quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Retrato do artista quando coisa

Nossa meu blog está tão abandonado! Sem querer fazer promessas, acho que agora ele vai ter mais movimento. Minha vida está tomando novos rumos e nessa incerteza, no meu caso, fico mais fértil.

Quero marcar esse retorno com uma poesia de Manoel de Barros, que tirei do livro dele: Retrato do artista quando coisa (1998), página 17.


Há um cio vegetal na voz do artista.
Ele vai ter que envesgar seu idioma ao ponto
de alcançar o murmúrio das águas nas folhas
das árvores.
Não terá mais o condão de refletir sobre as
coisas.
Mas terá o condão de sê-las.
Não terá mais idéias: terá chuvas, tardes, ventos,
passarinhos...
Nos restos de comida onde as moscas governam
ele achará solidão,
Será arrancado de dentro dele pelas palavras
a torquês.
Sairá entorpecido de haver-se.
Sairá entorpecido e escuro.
Ver sambixuga entorpecida gorda pregada na
barriga do cavalo-
Vai o menino e fura de canivete a sambixuga:
Escorre sangue escuro do cavalo.
Palavra de um artista tem que escorrer
substantivo escuro dele.
Tem que chegar enferma de suas dores, de seus
limites, de suas derrotas.
Ele terá que envesgar seu idioma ao ponto de
enxergar no olho de uma garça aos perfumes do
sol.

Nenhum comentário: